Ser Diferente!


terça-feira, 25 de Março de 2003


Ser diferente

São quase 27 anos a ser diferente. Diferente no aspecto físico, diferente na mobilidade, diferente na expressão oral, diferente nos movimentos, diferente até na forma de viver, diferente em quase tudo.

Milhões de pessoas confundem o verdadeiro significada da palavra “diferente” e não hesitam em ligarem à palavra “deficiente”,  mas, geralmente, não o fazem correctamente, como as pessoas deficientes merecem. Muitas vezes, na opinião do senso comum, deficiente é ser coitadinho, incapaz, inválido, aleijado, impotente, anjinho, e tantas outras palavras que ferem e revoltam quem é tratado com tais adjectivos! Esses, desistiram há muito da vida, talvez porque também concordarem, em parte, com os tais milhões, e deixam-se estar na caminha a ver novelas, e a comerem o pãozinho que a pensão miserável dá para comprar, é mais fácil para todos. Quantas casas portuguesas alojam uma pessoa assim? Muitas, seguramente!

Felizmente, consegui fugir a essa condição. Como, não sei? Talvez por culpa da minha mãe que nunca me deixou ser diferente duma forma negativa. Obrigava-me a ir à escola pública, a comer na cantina, a fazer os deveres, a estudar, batia-me quando tirava notas baixas, tinha que ser o melhor em tudo, tinha que superar as minhas limitações, porra, mas que mãe chata, e assim foi até ao 12º! Ela conseguiu que o filho fosse diferente pela positiva, foi mérito dela, mas meu também. Infelizmente, não me obrigou a ir para a faculdade, um lugar utópico para alguém com uma incapacidade física muito elevada, mas fui para um centro de reabilitação, onde aprendi a crescer como homem diferente, a superar algumas limitações, a fazer amigos, e a ter uma profissão, o design gráfico! Foram dos melhores anos da minha vida. Em Abril de 2000, tudo acabou, tinha agora a chance, com 23 anos, de ir para a tal caminha ver novelas, mas não fui, continuei a procurar o caminho do meu sonho que sempre foi ter um emprego e tornar-me financeiramente autónomo, até que, em Março de 2001, apareceu uma oportunidade de estágio que a minha mãe não permitiu que eu desperdiçasse.

Hoje sou funcionário do tal lugar utópico, uma faculdade pública! Estou bem integrado, tenho o meu próprio modo de vida, adoro as novas tecnologias e elas ajudam-me a viver o dia-a-dia com um pouco de felicidade. Sei que nunca vou alcançar coisas banais para muitos jovens, como conduzir um carro, ter uma namorada, sair à noite, mas consegui ganhar o desafio duma vida, da minha: ter um emprego, que, por sua vez, vai me permitindo realizar outros pequenos sonhos como aquele que está eminente: a compra duma nova casa!

O meu aspecto físico, a minha cadeira eléctrica, os inúmeros preconceitos da sociedade, as barreiras arquitectónicas deste país, entre outros aspectos, não se conseguem sobrepor à minha força de vontade, ao meu gosto pela vida, ao prazer de trabalhar, à euforia de ver o Porto campeão, ao meu orgulho, às minhas ambições, enfim, aos meus sonhos. Quando mudarem as mentalidades, eu serei mais feliz…

Manuel Francisco Costa
Portador de paralisia cerebral